quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Últimas palavras


O tempo é um assassino. A memória uma prisão. Vivemos algures entre os dois: balançando, oscilando, numa espécie de maré. Salgada e doce. Quente e gelada.
Vivemos algures. Entre espadas e paredes. Lâminas afiadas ou superfícies de seda. Entre vertigens e sorrisos. Mágoas e vontades abandonadas. Abraços felizes e pele faminta.
Vivemos tantas vezes. Morrendo e renascendo, numa vida só. Entregando-nos a um tempo imparável. Sem compaixão. Implacável. O tempo mata e a memória prende. O tempo apaga e a memória recupera. Vivemos assim, algures, longe do mundo, num tempo de partidas e chegadas. Às vezes venho aqui para te trazer de volta. Para regressar contigo aos sítios onde tocamos as estrelas. Mas hoje venho só para me despedir. Para te beijar assim, tão docemente e deixar-te regressar à paz perdida, aquela que eu te roubei. Abate-se de novo o silêncio entre nós. Dias passarão, meses, até anos, mas eu sei e tu sabes, que quando por acaso os nossos olhos se cruzarem, o tempo parará de novo. O mundo deixará de fazer sentido. E dentro de nós, os nossos corações voltarão a esse lugar, algures, entre a dor e a saudade. E baterão ao mesmo ritmo. O ritmo inaudível de uma sonata a duas mãos. Que foi sempre, só nossa.

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