sexta-feira, 29 de junho de 2012

Água


De novo o meu corpo dentro de água. Uma janela. Por ela chega-me uma nesga de céu de um azul em desmaio. Cruza-o, obsessivamente, um pássaro que se repete em voos solitários.
O meu corpo dentro de água. Hoje afasto de mim os teus olhos. Hoje não me importa que cor têm os teus olhos. Os meus dedos esqueceram a música da tua pele. E o meu corpo, que se move dentro de água, guarda apenas a memória morna do útero.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Soneto da separação



De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


Vinícius de Moraes, Soneto da separação

terça-feira, 19 de junho de 2012

Vai passar


Aperto-me contra o teu peito
beijo-te os olhos fechados
os meus dedos enterram-se no teu cabelo
para que me resgates dos abismos
para que na âncora do teu corpo
me digas que vai passar
esta dor vai passar...

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O naufrágio do Amor


O meu amor morreu há dois dias. Parece que passou uma eternidade desde esse momento em que eu o estreitei nos meus braços num abraço apertado e o sufoquei até à morte... Mas foram só dois dias, dois infinitos, magoados e dolorosos dias. Desde então sou só feridas e sangue. Desde então não dormi ainda, vagueio pelas sombras durante a noite, procuro respostas no silêncio e na escuridão, falo muito pouco e assusto-me se falam comigo. Já desejei fugir, entrar no carro e andar sem rumo e sem destino, até que o cansaço me faça parar... Já desejei gritar a plenos pulmões, contra a noite, contra a chuva, contra este frio que me invade e me corrói... O meu amor morreu e eu não sinto fome, não sinto sede. Como se eu própria, com ele, tivesse morrido também. Por dentro de mim vive a dor e o silêncio. Não há mais nada... Não há revolta. Nunca haverá. Percebo agora que talvez eu soubesse que este momento aconteceria, roubei o fogo aos deuses e eles são implacáveis no castigo. Amei o que não me pertencia, quem nunca me pertenceu, e é chegado o momento de pagar essa ousadia.
O meu amor morreu há dois dias. Matei-o fora de mim, desatei todos os laços que nos uniam, destruí todos os nós que nos atavam. Mas não era fora de mim que ele estava... É no avesso do meu corpo que ele existe, por debaixo da pele, corre-me dentro das veias, tem raízes nos lugares do coração. Confunde-se com o meu corpo, com a minha alma, a ponto de não saber onde eu começo e onde ele termina. Matei-o fora de mim e agora tenho que esperar que o tempo o mate cá dentro, naquilo que eu sou... naquilo que restou de mim.
Este espaço não morre hoje, não morrerá nunca. Está cheio da voz dele e da minha, de emoções que quero acreditar que foram verdadeiras... Neste espaço farei o meu luto, o meu infinito luto... E viverei de memórias porque elas também alimentam a alma, sobretudo se forem memórias de um amor feliz. E eu vivi um amor feliz, muito feliz! Aqui me reequilibrarei, aqui recordarei e darei vida ao maior sonho que me atrevi a sonhar. Um sonho que sonhei durante cinco anos e que não quero manchar com revolta nem com ódio. O meu amor morreu, naufragou no mar que nos abraçou sempre, que nos testemunhou e acolheu tantas vezes... Será assim, num mar de saudade, que o manterei vivo por dentro de mim. Porque ele me fez feliz e me fez acreditar... Porque ele foi o meu amor, o meu sorriso de sol, a minha vida. Porque foi um privilégio conhecê-lo entre tantos milhões de pessoas neste mundo... E porque podem naufragar todos os amores, mas não morrerão jamais os sentimentos mais nobres que a alma humana se atreve a viver. É assim que eu o amo. Será assim, até que deixe de o amar.