quinta-feira, 29 de novembro de 2012

É junto do mar que saro as minhas feridas...

 
É lá que te encontro, sempre que não aguento o peso dos meus dias. Chego com o coração ansioso, como quando ia ter contigo a tua casa, para te amar naquele quarto de paredes verde-água. Sento-me na areia, acendo um cigarro e é então que te vejo... Estás sentado a fumar, o blusão apertado até cima para te proteger a pele do frio e tens o cabelo revolto pelo vento... Ou então caminhas ao longo da água com o teu passo felino e de vez em quando baixas-te e apanhas um beijinho que guardas na mão em concha. Muitas vezes, como hoje, ouço-te cantar... Cantas de olhos fechados e sorris o teu sorriso de sol... E então o teu sorriso de sol é meu ainda. Eu abro os braços e pergunto-te: Sentes? - E tu inspiras fundo o cheiro fortíssimo a algas e a mar, e não me respondes... Ficamos ambos em silêncio, assim só ao pé um do outro, a olhar aquele mar que nos uniu...
Hoje escrevi o teu nome com o meu dedo na areia, dentro de um coração. Deixei-o longe da água, junto das minhas pegadas. Talvez a espuma das ondas não o tenha destruído... Talvez ainda lá esteja, junto do mar onde saro as minhas feridas.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Medir o Amor

 
O meu amor por ti é. Não é mais nem é menos. É. O meu amor por ti é agora. Existe e está aqui comigo e eu não o meço, não lhe tomo o peso, não o comparo. Sinto-o e basta-me.
Posso cansar o meu amor a medi-lo, mas desisto de medir o meu amor por ti. Queria dizer-te o que ele é. O poder que tem. Queria mostrar-te como é, comparado com outros. Mas nada disso é verdade, porque o meu amor por ti não é construção. Não tem tempo, não foi antes e não é depois. E não pode nada a não ser ser. Volto ao início e talvez tente de novo, num dia de sol e de vento, mostrar-te o meu amor por ti. Se o vires, talvez o reconheças, mesmo sem lhe saberes as formas e as medidas, mesmo sem o poderes comparar com nada que tenhas visto antes. Quem sabe tu olhas para ele e o vês como ele é. Ou se calhar nem o reconheces no horizonte, tão estranho se encontra, sem semelhança com que o possas identificar. Mesmo sem lhe dares forma e medida, saberás que ele é?
Eu sei que ele é, porque mesmo quando lhe viro as costas e finjo que não existe, continua lá, o meu amor de água. Tem a qualidade do que existe e mais nada.

sábado, 17 de novembro de 2012

Aqui tão perto...




Mais uma noite, amor. Ao recordar-te
retomo os fins do mundo, a cinza, os dias
manchados de outras lágrimas. Sabias
como eu a cor das sombras, essa arte

que nos engana agora e se reparte
por esquinas e cafés. Já não me guias
os muitos passos vãos, as fantasias
da minha falsa vida. Vou deixar-te

fugindo-me. Na chuva, sem ninguém,
apenas alguns vultos, o que vem
«e dói não sei porquê» - este deserto

onde te vejo, imagem outra vez,
até de madrugada. O que me fez
sentir o muito longe aqui tão perto?
 
Fernando Pinto Do Amaral, "Mais uma noite, Amor" in A Escada de Jacob
 

sábado, 3 de novembro de 2012

Mergulho...

  
Foi há quatro anos, lembras-te meu amor?
 
E hoje. Hoje regresso aqui, à casa dos sonhos que construímos juntos, pedra sobre pedra. Regresso ao meu jardim proibido, abro os portões da memória e fico contigo... Como dantes, adormeço no teu colo, nos teus braços, no teu abraço, e os teus dedos desfiam ternuras nas pontas do meu cabelo, dedilham palavras sem voz que te leio nos gestos... Hoje. Hoje regresso a ti, e não me importa que já não me queiras, porque esta casa ainda prende a tua alma, as tuas palavras, o teu riso e as lágrimas, o desespero e a esperança. Hoje visto o manto de luz de guardiã da saudade e recordo-te. Nada mais quero do que recordar-te, manter viva a memória e os sonhos que ergueram a nossa casa. Eram fortes e ela não ruirá. Uma casa. Nossa. Como nosso foi aquilo a que chamamos amor. Um amor especial e único que se respirava ao segundo, tão forte, tão intenso, enchendo a nossa vida de sol. De sal. De poesia.
Hoje. Regresso à praia da nossa solidão e amo-te outra vez, abraço-te de novo como se o mundo fosse ruir e olho no fundo dos teus olhos. Hoje não tenho medo de te chamar meu, de te beijar a boca até que o corpo, num incêndio devastador, me roube o sono e a serenidade. Colo o meu corpo ao teu e somos um. Outra vez. Leio-te e ouço-te como dantes, danço contigo ao som desta sonata que hoje toca tão forte, tão acima de todos os ruídos do mundo... Hoje amo-te de novo e somos ainda algas ou peixes, rochas robustas erguidas sem medo no mar da vida. Somos oceano. Somos água, como este amor pelo qual lutámos tanto! E sussurro-te ao ouvido um único segredo: os amores de água nunca morrem, não há longe nem distância, tempo, saudade, silêncio ou solidão que os façam secar... Eles apenas se transformam... em nuvem, chuva, rio, regato, ribeiro, mar ou oceano... Muitas vezes também em lágrimas... Mas estão lá, cheios de vida no seu corpo de água.
 
Esta casa, a nossa casa, tem quatro anos... Lembras-te, meu amor?
Dá-me a tua mão, o teu sorriso de sol, e mergulha comigo no sal do oceano profundo que fomos...
E sim, amo-te muito... Sabias?